Como a ação humana está mudando o ciclo da água no planeta
Por JORGE MARIN
30/01/2025 - 10:59•4 min de leitura
Conhecido como ciclo hidrológico, o ciclo da água no planeta é o processo de circulação desse líquido vital na Terra. Isso envolve a troca de água entre a atmosfera, a superfície terrestre e o subsolo. Além de essencial para a preservação da vida e dos ecossistemas, a dinâmica influencia o clima e os padrões meteorológicos.
Em um artigo recente, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, cientistas da NASA analisaram dados de quase 20 anos de observações, para expor uma mudança significativa e sem precedentes nos padrões naturais de circulação, distribuição e qualidade da água na Terra, causada principalmente por atividades humanas e mudanças climáticas.
Para o coautor Sujay Kumar, pesquisador do Centro de Voos Espaciais Goddard da NASA, “Estabelecemos com a assimilação de dados que a intervenção humana no ciclo global da água é mais significativa do que pensávamos”, afirma ele em um release. As descobertas podem fornecer importantes insights para melhorar o gerenciamento dos recursos hídricos no planeta.
Como as mudanças no ciclo da água impactam o planeta?
Para contextualizar seus impactos, é preciso deixar claro que o ciclo da água doce é um sistema fechado, ou seja, a quantidade total de água na Terra permanece praticamente a mesma, embora sua distribuição e estado físico (líquido, sólido ou gasoso) variem ao longo do tempo e do espaço. Portanto, mudanças nesse ciclo têm implicações para pessoas no mundo inteiro.
Apesar disso, engenheiros que projetam infraestruturas para inundações ou desenvolvem indicadores de seca para sistemas de alerta precoce geralmente assumem que eventos como chuvas, secas e enchentes seguem um padrão previsível e limitado, baseado em dados históricos, alerta a autora principal do artigo Wanshu Nie.
Seu colega, Sujay Kumar, exemplifica, em um comunicado de imprensa, impactos humanos no ciclo da água em uma região do norte da China, que está passando por uma seca contínua, mesmo exibindo uma vegetação próspera e verdejante. Isso acontece porque produtores rurais irrigam suas terras, bombeando água de reservatórios subterrâneos, com impactos em algumas etapas do ciclo hidrológico como evapotranspiração e escoamento superficial.
Coletando dados sobre a movimentação da água doce no planeta
A coleta de dados para realização do estudo utilizou o sensoriamento remoto de 2003 a 2020, de vários satélites da NASA e outras agências. O objetivo foi cruzar dados de precipitação, umidade do solo, armazenamento de água e vegetação, para estabelecer padrões ambientais ao longo dos anos.
O primeiro satélite utilizado foi o GPM, iniciais em inglês para Medida Global de Precipitação, uma parceria entre a NASA e a agência japonesa, JAXA. Lançado em 2014, esse satélite fornece dados sobre chuvas, neve e tempestades em escala global.
Para monitorar a umidade do solo e o armazenamento da água terrestre, foram usados os dados da missão Iniciativa de Mudança Climática (CCI) da Agência Espacial Europeia (ESA) e dos satélites gêmeos do chamado Experimento de Recuperação da Gravidade e Clima (GRACE), uma missão conjunta da NASA e do Centro Aeroespacial Alemão (DLR).
A equipe também usou material produzido pelo Espectrorradiômetro de Imagens de Resolução Moderada (MODIS), um instrumento de sensoriamento remoto a bordo dos satélites Terra e Aqua da NASA. Ele capta imagens da superfície terrestre, dos oceanos e da atmosfera em diferentes comprimentos de onda, e fornece informações sobre a saúde da vegetação.
Diferentes mudanças observadas no ciclo da água
Nie e seus colegas investigaram três tipos principais de mudanças no ciclo da água. A primeira delas diz respeito às tendências, que se referem a alterações graduais que vêm acontecendo ao longo do tempo, como o exemplo citado da redução do volume de água em aquíferos subterrâneos devido ao uso excessivo ou à falta de recarga. Esse tipo de tendência pode levar ao esgotamento de recursos hídricos essenciais para comunidades e ecossistemas.
Os autores também analisaram uma mudança na sazonalidade capaz de afetar os padrões naturais, como um início precoce da estação de cultivo ou o derretimento prematuro da neve. Tais alterações podem desequilibrar ecossistemas, prejudicar a agricultura e afetar o abastecimento de água, pois os ciclos naturais não estão mais acompanhando os ritmos históricos.
Por fim, foram abordadas as alterações em eventos extremos, como o aumento na frequência das chamadas "inundações de 100 anos", fenômenos que teoricamente têm uma probabilidade de 1% de ocorrer em qualquer ano. No entanto, essas ocorrências estão se tornando mais comuns, devido às mudanças climáticas, resultando em impactos devastadores em infraestruturas, economias e vidas humanas
Considerando os impactos humanos em desequilíbrios hídricos
Embora finito, o ciclo da água na Terra é um sistema complexo e interligado, que controla o movimento do líquido entre a atmosfera, a terra e os oceanos. No entanto, esse equilíbrio natural vem sendo alterado ao longo do tempo, por atividades humanas como agricultura, urbanização e processos industriais.
Como o ciclo é composto por várias etapas interconectadas entre si, a extração excessiva de água subterrânea para irrigação e uso urbano impede a recarga natural dos aquíferos, levando ao esgotamento hídrico. Por sua vez, o reabastecimento natural, via precipitação e escoamento, é prejudicado pelo desmatamento e pelas mudanças no uso do solo.
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Todos esses impactos são retroalimentados pela crise climática, culminando em eventos extremos, que alteram os padrões regionais de precipitação. O aumento das temperaturas acelera a evaporação, redistribui desigualmente os recursos hídricos e agrava a escassez em algumas áreas. Com isso, ecossistemas, segurança alimentar e a própria sustentabilidade do abastecimento de água doce enfrentam desafios cada vez maiores.
“Esperamos que esta pesquisa sirva como um mapa guia para melhorar a forma como avaliamos a variabilidade dos recursos hídricos e planejamos a gestão sustentável dos recursos, especialmente em áreas onde essas mudanças são mais significativas”, conclui a dra. Nie.
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