Veneno de flecha mais antigo do mundo é achado dentro de osso de 7 mil anos

Por JORGE MARIN

27/01/2025 - 13:153 min de leitura

Veneno de flecha mais antigo do mundo é achado dentro de osso de 7 mil anos

Fonte: X. Justin Bradfield et al., iScience, 2025

Um fêmur de antílope de sete mil anos “esquecido” entre artefatos recuperados em uma caverna da África do Sul em 1983 foi reanalisado recentemente por pesquisadores da Universidade de Joanesburgo. A pesquisa revelou vestígios do veneno de flecha mais antigo do mundo.

O estudo, publicado na revista iScience, revela que o osso bovino era usado naquela época como uma aljava, e estava “cheio de uma substância desconhecida na qual estavam embutidas três pontas de flechas de osso”, só identificadas agora, após uma análise com microtomografia computadorizada (micro-CT).

O fêmur foi originalmente escavado em 1983, na caverna Kruger, um importante sítio arqueológico localizado nas Montanhas Magaliesberg Ocidentais, a cerca de 1,5 hora de carro de Joanesburgo, na região conhecida como Berço da Humanidade.

Reanalisando o osso pré-histórico

X. (Fonte: Justin Bradfield et al., iScience, 2025/Divulgação)
Resumo gráfico do estudo. (Fonte: Justin Bradfield et al., iScience, 2025/Divulgação)

Em uma publicação recente na plataforma The Conversation, o primeiro autor do artigo científico, Justin Bradfield, professor da Universidade de Joanesburgo, explicou que, quando o fragmento ósseo foi encontrado em 1983, raios-X revelaram que três pontas de flecha de osso modificadas haviam sido colocadas na cavidade da medula, indicando que a peça funcionava como um recipiente de flechas.

Sem contar na época com uma tecnologia mais avançada para investigar o objeto, os arqueólogos o deixaram armazenado, juntamente com outros artefatos recuperados da caverna, nos depósitos do Departamento de Arqueologia da Universidade de Witwatersrand.

Em 2022, novas investigações foram realizadas na caverna Kruger, o que levou seus participantes a dar uma conferida nos tesouros depositados há quase quarenta anos na universidade sul-africana. Bradfield, que é um arqueólogo interessado nos materiais orgânicos preservados na caverna, suspeitou que havia alguma coisa mais dentro do tal fêmur do que só sedimento e restos de medula decomposta pelo tempo.

O veneno de caça mais antigo do mundo

Pesquisadores dentro da Caverna Kruger. (Fonte: Sociedade Arqueológica Sul-Africana/Divulgação)
Pesquisadores dentro da Caverna Kruger. (Fonte: Sociedade Arqueológica Sul-Africana/Divulgação)

Para testar suas hipóteses, a equipe de pesquisa resolveu usar técnicas de imagem mais avançadas do que o limitado raio-X da época. Por isso, utilizaram a micro-CT, que permite visualizar e analisar estruturas internas de materiais e amostras biológicas em escala microscópica com alta resolução tridimensional.

Confirmando o que Bradfield já suspeitava, os resultados indicaram que o que se assemelhava a sedimentos antigos dentro da cavidade medular do osso “era claramente matéria estranha”, segundo o arqueólogo. Por isso, uma pequena amostra foi coletada e seus constituintes químicos analisados.

A análise química revelou “a presença de dois glicosídeos cardíacos tóxicos (que perturbam o funcionamento do músculo cardíaco): digitoxina e estrofantina”, diz o estudo. Relacionadas a venenos de caça, as duas substâncias são provenientes de diferentes plantas ou fontes não encontradas naturalmente na mesma região.  

Qual a importância da descoberta de veneno em flechas de caça?

x. (Fonte: Getty Images/Reprodução)
O uso de veneno em flechas de caça denota um sofisticado conhecimento farmacológico. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Embora se acredite que o uso de flechas de caça venenosas seja praticado há mais de 48 mil anos, a comprovação de compostos químicos em venenos no estudo atual confirmou uma sofisticada técnica de preparação. Além disso, a presença de substâncias não encontradas naturalmente na região indica que esses caçadores pré-históricos combinavam propositalmente diferentes ingredientes vegetais para criar venenos mais potentes.

A presença de ácido ricinoleico nas amostras denota um processo de degradação da lectina ricina tóxica, uma proteína extremamente venenosa extraída das sementes de mamona, que é usada, com cautela extrema, em pesquisas biomédicas atuais como potencial agente quimioterápico contra células cancerígenas.

Esses venenos de caça eram cuidadosamente preparados de forma a afetar o sistema nervoso ou circulatório dos animais, causando morte rápida sem contaminar significativamente a carne. Ou seja, os caçadores pré-históricos desenvolveram técnicas para minimizar a dispersão do veneno no corpo do animal, o que aponta para um sofisticado conhecimento farmacológico.

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Por JORGE MARIN

Especialista em Redator


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