Índia oferece US$ 1 milhão para quem decifrar escrita de antiga civilização
Por JORGE MARIN
31/01/2025 - 17:24•3 min de leitura
Um dos maiores enigmas para arqueólogos, historiadores e linguistas, a escrita da civilização do Vale do Indo (IVC), uma das primeiras sociedades urbanas do mundo, vem sendo pesquisada por decifradores do mundo inteiro.
Recentemente, essa multidão de curiosos recebeu um incentivo: um prêmio de US$ 1 milhão (R$ 5,9 milhões) para quem conseguir decifrar o código. Anunciado pelo ministro-chefe do estado de Tamil Nadu, MK Stalin, o prêmio faz parte das celebrações do centenário da descoberta da IVC pelo arqueólogo britânico John Marshall, em 1924. Também conhecida como Harappan, a civilização se estendia por 1,5 milhão de km² na Índia, Paquistão e Afeganistão, durante a Idade do Bronze, entre os anos 3000 e 1500 a.C.
Considerada tão avançada quanto as civilizações mais conhecidas da Mesopotâmia, Egito e China, a civilização do Indo era composta por agricultores disciplinados e pragmáticos que, segundo os arqueólogos, priorizavam a organização coletiva em vez de ostentações e hierarquias rígidas. Suas residências eram uniformes e seus artefatos, modestos.
Por que a escrita do Indo é tão difícil?
A incerteza sobre qual língua os habitantes do Indo falavam e a falta de textos longos têm sido os maiores obstáculos encontrados pelos decifradores da misteriosa escrita. Além disso, o número reduzido de inscrições encontradas, cerca de quatro mil, divididas em pequenos objetos como selos, cerâmica e tábuas, dificulta a compreensão e compromete uma análise ampla.
Os pequenos selos, de 2 a 4 cm de lado, feitos de pedra-sabão, apresentam um universo simbólico misterioso. Com linhas de sinais em cima, eles trazem um motivo animal no centro, geralmente um unicórnio, com um estranho objeto anexo. A ausência de uma referência bilíngue essencial, como a Pedra de Roseta, impede a comparação com outras linguagens.
Nos últimos anos, surgiu um verdadeiro exército de criptógrafos que, usando técnicas computacionais de última geração, tenta quebrar o famoso enigma. Para isso, esses arqueolinguistas cibernéticos analisam as inscrições com métodos de aprendizado de máquina, tentando identificar padrões e estruturas que possam dar alguma pista sobre o significado.
Estudos computacionais sobre a língua misteriosa
Uma dessas pessoas, a Dra. Nisha Yadav, pesquisadora do Instituto Tata de Pesquisa Fundamental, em Mumbai, tem aplicado métodos estatísticos e computacionais para tentar decifrar a escrita harapeana. Ela conseguiu identificar alguns padrões intrigantes. Mas reconheceu: "Ainda não sabemos se os símbolos representam palavras completas, partes de palavras ou trechos de frases", explicou ela à BBC.
Até agora, os pesquisadores já identificaram e catalogaram 67 símbolos que abrangem 80% da escrita da IVC. O mais comum deles é parecido com um jarro com duas alças. Eles descobriram também uma tendência: os textos começam geralmente com um grande número de símbolos e terminam com menos. Agora, eles buscam combinações de símbolos, que levem a intuir a estrutura interna.
Também entrevistado pela BBC, o pesquisador nas áreas de neurociência computacional e IA, Rajesh Rao, lembra que muitas escritas antigas permanecem indecifradas até hoje. Entre elas, cita: a protoelamita do Irã, a Linear A de Creta e a etrusca da Itália, que também possuem línguas conhecidas. Já o rongorongo da Ilha de Páscoa e a zapoteca do México têm idiomas conhecidos, mas símbolos ainda inacessíveis.
Por que os governantes indianos vão premiar quem decifrar a escrita?
Por trás do prêmio milionário, há um conflito político-cultural. Há cerca de 20 anos, um grupo de estudiosos ocidentais levantaram uma contestação acadêmica provocativa: a escrita não seria essencial para assentamentos urbanos antigos, mesmo aqueles monumentais como os dos harapeanos. Diziam que "um punhado de símbolos desconhecidos" não é uma prova de um sistema de escrita.
A partir daí, o debate acadêmico se polarizou sobre a verdadeira natureza da civilização do Indo. Correntes interpretativas distintas discutem se a IVC tinha um sistema alfabético complexo ou apenas representações simbólicas rudimentares. As interpretações atuais continuam divergindo sobre o nível de sofisticação comunicativa dos harapeanos.
A discussão é de cunho identitário e pós-colonial, e diz respeito à originalidade e complexidade das civilizações indianas, contestadas por historiadores coloniais europeus. Já os habitantes do país defendem que a escrita da IVC é "protodravidiana", "não ariana" e "pré-ariana". Nesse cenário, o prêmio de US$ 1 milhão vem apenas acrescentar um condimento à disputa.
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