Que fim levou a Blockbuster, a antiga rainha das videolocadoras?

Por Nilton Cesar Monastier Kleina

29/01/2025 - 08:244 min de leitura

Que fim levou a Blockbuster, a antiga rainha das videolocadoras?

Fonte: The Dallas Morning News

Atualmente estamos a poucos cliques de distância de filmes e séries em serviços de streaming, mas a situação décadas atrás era bem diferente. As opções de acompanhar lançamentos na televisão ou nos cinemas eram menores em quantidade e uma das experiências mais lembradas por quem viveu esse período foi o das videolocadoras.

Ir a um desses estabelecimentos e escolher filmes para alugar em meio a um oceano de opções era praticamente um ritual para muitas pessoas — e uma rede em especial se destacou ao longo de vários anos pelo domínio de mercado, lado a lado com locadoras de bairro. É a Blockbuster, hoje um nome quase esquecido.

Antes referência no setor do entretenimento, a empresa tem a derrocada ligada a uma mudança de mercado e, principalmente, na dificuldade em se atualizar e acompanhar uma indústria que começava a deixar de lado a mídia física, mesmo tendo condições de se adaptar e sobreviver.

A consolidação da Blockbuster

Muito antes de virar uma gigante, a Blockbuster Video nasceu em 1985 como uma simples locadora de fitas VHS. Fundada pelo empresário David Cook, que fez dinheiro no setor de gerenciamento de dados para companhias de petróleo, a pimeira unidade foi inaugurada em Dallas, no estado norte-americano do Texas.

O nome deriva da expressão blockbuster, ou arrasa-quarteirão, dado a filmes de sucesso que geram até filas nas salas de cinema. A identidade nas cores azul e amarela foi marcante e já existia desde a loja inicial.

A primeira unidade no Texas. (Imagem: The Dallas Morning News)
A primeira unidade no Texas. (Imagem: The Dallas Morning News)

Desde o início, a locadora se destacou por alguns elementos. Ela tinha uma alta quantidade de cópias dos lançamentos mais buscados, um horário de funcionamento maior que rivais (para ser frequentada também por quem trabalha durante o dia) e fazia pesquisas de mercado para determinar quais fitas seriam adquiridas.

O sucesso ainda era só regional, mas foi grande a ponto de chamar a atenção do investidor Wayne Huizenga. Ele virou o CEO da companhia em 1987 após injetar verba no negócio, com planos de transformá-lo em uma franquia de expansão rápida no país.

O reinado incontestável

O sucesso da empresa fez ela ser vendida para a gigante Viacom em 1994, o que só aumentou o seu orçamento para expansão. A Blockbuster foi se estabelecendo como um ícone cultural estadunidense, a ponto de ter 3,6 mil lojas nos Estados Unidos já em 1996 e entrar na Bolsa de Valores três anos depois, com ações bastante valorizadas.

Aos poucos, locadoras de pequeno porte perdiam espaço para as enormes lojas da rival, com mais opções em catálogo e um sistema de locação e retorno acelerado — na devolução, bastava colocar a fita em um compartimento na porta da loja, sem precisar entrar no local.

A expansão global foi acelerada e bem sucedida. (Imagem: GettyImages)
A expansão global foi acelerada e bem sucedida. (Imagem: GettyImages)

Unidades foram surgindo em países da Europa, Ásia, Oceania e América Latina, incluindo o Brasil. No auge, ela chegou a ter mais de 9 mil unidades abertas em todo o mundo, com 65 milhões de clientes cadastrados e um valor de mercado de US$ 3 bilhões

A migração do VHS para o DVD não foi sentida pela companhia, que seguiu oferecendo os dois formatos para o público — assim como games e o Blu-ray anos depois. Parte da renda seguiu de uma fonte curiosa: as taxas de atraso de clientes, que devolviam os alugueis depois da data combinada e eram multados.

Uma franquia de erros

Ainda com muito fôlego, a Blockbuster considerou no começo dos anos 2000 adquirir por US$ 50 milhões uma startup cheia de potencial, que alugava DVDs por correspondência e começava a se destacar. Ela optou por não fazer uma oferta e, anos depois, o preço cobrado seria caro: a marca era nada menos que a Netflix, ainda longe de virar referência no streaming.

A partir desse ponto, que poderia ter feito a Blockbuster se manter no topo até hoje, sucessivos erros fizeram a gigante perder cada vez mais valor de mercado — a ponto de encolher 75% em 2005 em comparação com o ano anterior, que foi o seu recorde de faturamento.

A empresa começou a sofrer pressão das produtoras e lojas, que vendiam DVDs mais baratos e reduziram o aluguel. Além disso, o modelo online de envio rápido e sem taxa de atraso se popularizou em especial nos EUA, tirando parte do seu público.

Internamente, dívidas deixadas por donos anteriores, em especial a Viacom (que separou a divisão em 2004) prejudicaram a saúde financeira da companhia. Esse foi um dos motivos que impediu a Blockbuster de fechar um acordo com a Google, empolgada com streaming depois de comprar o YouTube e interessada em uma parceria.

Nem mesmo a chegada da tardia da Blockbuster Online em 2004, que permitia o aluguel pela internet, foi o suficiente. Locadoras presenciais foram aos poucos vistas como coisa do passado — e a própria Netflix lançou o seu streaming três anos depois, virando líder até hoje no setor.

Ainda existe a Blockbuster?

Em 23 de setembro de 2010, uma Blockbuster afundada em dívidas e já com várias unidades fechadas ao redor do mundo declarou falência nos Estados Unidos. A Dish Network comprou os ativos US$ 320 milhões em um leilão, mas o plano de reestruturação não deu certo e as unidades começaram a fechar ainda mais rapidamente.

No Brasil, o final foi antecipado: a gigante do varejo Americanas comprou as operações nacionais da Blockbuster em 2007, mas também deixou de usar o nome com o passar do tempo e transformou a maioria das unidades em lojas próprias.

Uma das unidades conjuntas no Brasil. (Imagem: Americanas/X)
Uma das unidades conjuntas no Brasil. (Imagem: Americanas/X)

Desde 2019, apenas uma Blockbuster permanece aberta no mundo e sem planos para fechar. É uma unidade na pequena cidade de Bend, no Oregon, administrada via licenciamento de marca e de forma independente pelo casal Ken e Debbie Tisher.

Hoje, além de poucos e fiéis clientes, ela consegue a renda não de filmes, mas de produtos de merchandising relacionados com a marca, como camisetas e canecas. O local virou até uma espécie de ponto turístico, por ser uma lembrança de um período da indústria.

Debbie, dona e atendente da última Blockbuster do mundo. (Imagem: Blockbuster/Divulgação)
Debbie, dona e atendente da última unidade aberta no mundo. (Imagem: Blockbuster/Divulgação)

Enquanto uma só unidade segue resistindo, em 2022 a Netflix lançou uma série de comédia chamada Blockbuster, que fazia piada com a rede de lojas — mas foi ela mesma um fiasco de audiência e crítica. Um ano depois, ela encerrou o serviço de aluguel de DVDs por correspondência, colocando um ponto final em uma rivalidade que poderia ter sido muito diferente caso a compra do começo dos anos 2000 fosse aprovada.


Por Nilton Cesar Monastier Kleina

Especialista em Analista

Jornalista especializado em tecnologia, doutor em Comunicação (UFPR), pesquisador, roteirista e apresentador.


Veja também